quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Ação Penal Pública Condicionada e Incondicionada

Ação pública incondicionada é aquela que não depende de 3º para a proposição. É a regra no processo penal, bastando que o artigo de lei que traz o tipo penal que regulamenta o delito não faça nenhuma menção ao tipo de ação para que haja a persecução penal.

Os institutos condicionantes da ação pública condicionada são:

1. REPRESENTAÇÃO - é o pedido e ao mesmo tempo a autorização que condiciona o início da persecução penal. Sem ela não haverá: ação penal, inquérito policial nem lavratura de flagrante. A representação é enquadrada como condição de procedibilidade (natureza jurídica). Sem ela não tem providência criminal.
1.1 LEGITIMIDADE
1.1.1 DESTINATÁRIOS: DELEGADO, MINISTÉRIO PÚBLICO, JUIZ
1.1.2 LEGITIMIDADE ATIVA: ela é da vítima ou de seu representante legal, em caso de incapacidade civil.
1.1.2 Obs: havendo morte ou declaração judicial de ausência da vítima, o direito de representar se transfere aos seguintes sucessores: CADI: Cônjuge, Ascendentes, Descendentes, Irmãos. Não tendo estes parentes, nessa ordem, ou os mesmos ficando omissos, passa-se ao próximo o direito de representar.
O rol positivado no §1º do art. 24 do CPP é preferencial e taxativo.
Ao lado do cônjuge poderemos incluir o companheiro, por interpretação constitucional.
Menor emancipado não pode representar, assim como também não pode dirigir veículo automotor. A emancipação não tem reflexo na esfera penal. Nomearemos ao emancipado um curador especial.
1.2 O prazo para exercer a representação é de 6 meses contados do conhecimento da autoria da infração.
O prazo é de natureza decadencial, o que significa dizer que é um prazo fatal, não tolerando suspensão, interrupção ou prorrogação.
O prazo é contado de acordo com o art. 10 do CP, o que significa dizer que o primeiro dia é incluído e o último será descartado.
1.3 A representação tem forma livre, podendo ser apresentada oralmente ou por escrito a qualquer dos destinatários.
1.4 RETRATAÇÃO
A vítima poderá se retratar até antes do oferecimento da denúncia. (art. 25, CPP)
Segundo a doutrina majoritária, se a vítima se retratou ela poderá se arrepender, reapresentando a representação, desde que dentro do prazo. Logo, cabe retratação da retratação da representação. Múltiplas retratações são permitidas dentro do prazo decadencial.
1.5 REGRA ESPECIAL - Violência Doméstica
Existem crimes de ação pública condicionada no âmbito da violência doméstica, como acontece com a ameaça e com o estupro.
A mulher poderá se retratar da representação, em audiência específica na presença do juiz, ouvindo-se o MP. A retratação é possível até antes do recebimento da denúncia.
Segundo o STJ, na súmula 542, a lesão corporal na violência doméstica é crime de ação pública incondicionada, mesmo quando a lesão é de natureza leve. A justificativa é porque não aplicamos o art. 88 da lei 9.099/95 na violência doméstica, por força do art. 41 da Lei Maria da Penha.

2. REQUISIÇÃO DO MINISTRO DA JUSTIÇA É O SEGUNDO INSTITUTO CONDICIONANTE DA AÇÃO PÚBLICA

Tal requisição é o pedido e ao mesmo tempo uma autorização de natureza eminentemente política, que condiciona o início da persecução penal nas hipóteses legalmente exigidas. Sem a requisição não haverá ação, inquérito e nem mesmo lavratura de flagrante. A requisição, portanto, tem a natureza jurídica de condição de procedibilidade.

terça-feira, 11 de outubro de 2016

Apontamentos de Tributário com Mazza


  • Temas reservados a Lei Complementar (LC) não admitem Medida Provisória (MP) para a sua regulamentação. A MP é editada pelo chefe executivo da União. Os temas de LC são de interesse nacional, então haveria uma crise de legitimidade representativa para o chefe do executivo da União que os normatizasse, além do problema do qu[orum para a aprovação da MP ser diferente do quórum para a LC.
  • MP que cria ou aumenta imposto só pode ser exigida após sua conversão em lei.
  • O intervalo da anterioridade para valer a lei majorante de imposto tem que ser respeitado considerando o marco inicial a partir do dia da conversão da MP em lei.
  • Se o tributo criado ou majorado por MP for diferente de imposto (ex.: taxas ou contribuições de melhoria) o tributo pode ser exigido após a anterioridade aplicável àquele tributo, mas contada da edição da medida provisória.
  • Não precisa respeitar o princípio da legalidade tributária a alteração de alíquotas dos seguintes impostos: II, IE, IOF, IPI, CIDE/combustível, ICMS/combustível.
  • O ato do Presidente da República que altera as alíquotas dos impostos citados no ponto anterior será o Decreto ou Medida Provisória recebida como Decreto (que não se sujeitará à anterioridade após conversão em lei pelo Legislativo, exceto no caso da ICMS/combustível, feita exclusivamente por convênio. O IE também poderá ter sua alíquota alterada por resolução da CAMEX. (mais alguns detalhes na apostila)
  • Tributo criado ou majorado em um exercício fiscal só poderá ser exigido no ano seguinte, respeitado o intervalo mínimo de 90 dias.
  • Criado ou majorado são as situações que aumentam o ônus do contribuinte.
  • Exercício fiscal no direito brasileiro coincide com o ano civil.
  • A anterioridade anual só exige a virada do ano.
  • O intervalo mínimo de 90 dias é chamado de anterioridade nonagesimal ou noventena.
  • Será aplicada a anterioridade mais benéfica, ou seja, a que chutar mais pra frente a alteração majorante.
  • Existem exceções à regra da anterioridade. São os 3 grupos de tributos abaixo:
COBRANÇA IMEDIATA (no dia seguinte) - II, IE, IOF, Imposto ordinário de guerra, empréstimo compulsório de calamidade ou de guerra.

SOMENTE 90 DIAS (ainda que no mesmo ano) - IPI; contribuições sociais do 195 da CF; os dois do petróleo: CIDE/combustíveis e ICMS/combustíveis.

NO ANO SEGUINTE (a partir de 1º de janeiro do ano seguinte sem a necessidade dos 90 dias) - Imposto de Renda; alterações na base de cálculo do IPTU (planta genérica de valores) e IPVA (tabela de valor do modelo do carro).

  • A mera atualização monetária da base de cálculo não é aumento real de tributo, dispensando legalidade e anterioridade.
  • Súmula 160 do STJ. É defeso ao município atualizar o IPTU mediante decreto em percentual superior ao índice oficial de correção monetária. Ele pode portanto atualizar a base de cálculo por decreto até o valor deste índice.

  • A lei tributária não se aplica a fatos geradores anteriores à data de sua publicação. (irretroatividade - art. 150, III, a, CF)
  • Mas a lei tributária pode retroagir se for de natureza interpretativa, materialmente, e ainda se declare expressamente interpretativa.
  • Também poderá retroagir a lei mais benéfica em matéria de infração tributária. Mas será necessário que a infração não tenha sofrido o trânsito em julgado ou a preclusão na esfera administrativa.
  • Observe que se for benéfica em matéria de alíquota, não retroagirá. Lei que reduz valor de tributo não retroage.

  • A isonomia tributária é usada na prática para estender benefícios fiscais aos portadores de deficiência.
  • A capacidade civil é irrelevante para o direito tributário - art. 126, I, CTN. 
  • A capacidade tributária passiva é a capacidade de ser contribuinte, que toda pessoa natural tem.
  • Sequer a personalidade jurídica é necessária para realizar o fato gerador. Basta ser unidade econômico-administrativa, realizar o fato gerador, que se terá a capacidade de ser contribuinte (capacidade tributária passiva).
  • Qualquer pessoa que realiza o fato gerador tem que pagar tributo. O direito tributário por vezes poderá deslocar a responsabilidade de pagar do contribuinte para um terceiro, que será responsável pelo pagamento.

  • A doutrina diz que ocorrida a conduta descrita na hipótese de incidência do fato gerador, obrigatoriamente estará gerada a obrigação de pagar tributo.
  • Não interessa ao direito tributário se há uma ilicitude ocorrida junto com a conduta que realiza o fato gerador - Art. 118, I.

  • O princípio da capacidade contributiva é um corolário do princípio da isonomia, no que se refere à tributação diferenciada de riquezas diferenciadas. Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte - art. 145, I, CF.
  • Já há entendimento jurisprudencial no sentido de que as contribuições (outra categoria de tributo) também estarão sujeitas ao princípio da capacidade contributiva. São tributos não vinculados.
  • Não é apenas a aplicação da mesma alíquota (um mesmo percentual) sobre uma base de cálculo - aqui chamado de proporcionalidade. Esse princípio exige a progressividade: aumento progressivo da alíquota na medida da riqueza do contribuinte. Não é alíquota fixa nem variável, é a que progride em função da riqueza do contribuinte.
  • As alíquotas progressivas são o instrumento técnico para atingir a capacidade contributiva, expandindo as alíquotas segundo a riqueza do devedor. Porém o sistema de alíquotas progressivas somente será constitucional se recair sobre tributos medidores de riqueza (fatos signos presuntivos de riqueza). Atualmente só existem 3 impostos progressivos: IR, Imposto Territorial Rural e IPTU.
  • STF tem um julgado isolado que reconhece a possibilidade do ITCMD com alíquotas progressivas, mas segundo Alexandre Mazza, não tem base constitucional para isso.

  • Aplicação da "não-cumulatividade" nos tributos plurifásicos ou multifásicos. Tributação monofásica é aquela em que o tributo incide uma vez apenas sobre o bem. A tributação plurifásica persegue o item numa tributação em cadeia: veja o ICMS e o IPI. Até o item chegar no consumidor final, passou pela mão de vários intermediários, e a cada vez, circulou a mercadoria, havendo fato gerador. PRODUTOR - EXPORTADOR - ATACADISTA - COMERCIANTE. A regra da não-cumulatividade faz com que o tributo plurifásico seja pago compensando-se em cada operação o montante recolhido na etapa anterior. O ICMS devido na saída do bem tem descontado o valor do ICMS pago na entrada do bem. O que foi pago na entrada do bem no estabelecimento gera um "creditamento", que será como um bônus pra ser descontado no tributo pago na saída do bem do estabelecimento.
  • A não-cumulatividade vale para ICMS; IPI; impostos residuais; novas fontes de custeio da Seguridade; alguns casos da COFINS (existe cofins monofásica, plurifásica cumulativa - mecanismo de extrafiscalidade - e a cofins plurifásica não-cumulativa).

domingo, 25 de setembro de 2016

Benesses para traficantes, por Odilon de Oliveira

BENESSES PARA TRAFICANTES. Artigo na íntegra escrito pelo Juiz Federal Odilon de Oliveira.


ODILON DE OLIVEIRA



Permitida a reprodução, desde que citada a fonte. Favor divulgar este blog http://cavaleirodotemplo.blogspot.com.br/2011/02/benesses-para-traficantes-artigo-na.html , o Blog do Juiz Federal Odilon de Oliveira em http://odilonoliveira.blogspot.com/e http://archive.is/iDlsm .



Quem é o Juiz Federal Odilon de Oliveira? Em suas próprias palavras:



Odilon de Oliveira, nasceu em 26/02/1949, na Serra do Araripe, município de Exu, Pernambuco. Filho de pais lavradores, trabalhou na roça até os 17 anos de idade. Foi alfabetizado na roça, à noite, em sua própria casa, após ter dia inteiro de trabalho. Entrou tarde na faculdade de Direito, vindo a se formar aos 29 anos de idade. Foi Procurador Autárquico Federal, Promotor de Justiça, Juiz de Direito. É Juiz Federal desde 1987. Sempre trabalhou em fronteiras como magistrado federal, na área criminal: Mato Grosso, Rondônia e Mato Grosso do Sul. Já condenou centenas de traficantes internacionais. Atualmente, é titular da única vara especializada no processamento dos crimes financeiros e de lavagem de dinheiro de Mato Grosso do Sul, com jurisdição sobre todo o Estado. Seu maior sonho é ver a juventude livre das drogas.



É odiado pelos amigos do LULA, o pessoal das FARC, por sua atuação e declarações como estas:

Farc ensina seqüestro a PCC e CV, afirma juiz

Agência Estado, 03/07/05

Íntegra: http://www.eagora.org.br/arquivo/Farc-ensina-seqestro-a-PCC-e-CV-afirma-juiz/

Por José Maria Tomazela, enviado especial Ponta Porã, 3 (AE)

O juiz federal Odilon de Oliveira, de Ponta Porã, na fronteira de Mato Grosso do Sul com o Paraguai, obteve evidências da atuação de guerrilheiros das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) no treinamento de bandidos ligados ao Primeiro Comando da Capital (PCC) e ao Comando Vermelho (CV) para seqüestros. Segundo as apurações de Oliveira, quadrilhas de narcotraficantes do Brasil são os principais clientes da América do Sul na compra da cocaína produzida pela facção colombiana.

“Um dos treinamentos foi filmado e dá para se ouvir, no vídeo, a voz de um brasileiro”, contou o juiz. Seqüestros com fins econômicos garantem uma receita anual de US$ 250 milhões para as Farc, o equivalente a 25% do orçamento da facção. O juiz acredita que a guerrilha colombiana pode estabelecer bases no País para fazer seqüestros, tanto com fins econômicos como políticos.

“Eles já estão estabelecidos no Paraguai e agora miram o Brasil, onde o potencial para esse crime é maior”, disse. “Eles treinam brasileiros lá para agir aqui.” A cocaína representa outros 45% da receita das Farc, que produzem 39% da droga colombiana. Segundo Oliveira, os traficantes brasileiros passaram a negociar com a guerrilha a compra da droga, eliminando os intermediários colombianos. A cocaína é levada para o Paraguai antes de chegar ao Brasil. O pagamento é feito em dólares ou armas de guerra. Um exemplo é o bando de 12 integrantes liderado por Luiz Carlos da Rocha, o Cabeça Branca, e Carlos Roberto da Silva, o Charles, que usava sete aviões para levar a droga da Colômbia para o entreposto paraguaio. Ela comprava das Farc e, em menor escala, de produtores da Bolívia e do Peru. A droga entra no Brasil pela fronteira com Mato Grosso do Sul, principalmente pelas regiões de Ponta Porã e Corumbá, e é levada para São Paulo e Paraná, para distribuição no País e no exterior. De acordo com Oliveira, o tráfico por aviões migrou para o Sul por causa da Lei do Abate, que permite à Força Aérea Brasileira derrubar aviões não identificados."


Vamos agora ao artigo escrito pelo grande Juiz Federal ODILON DE OLIVEIRA:


Apesar de a Constituição Federal (artigo 5.º, XLIII) permitir tratamento mais rigoroso para traficantes, a legislação ordinária e o próprio Judiciário cuidam desses delinquentes com permissividade.

A Lei n.º 11.343, em vigor desde o final de 2006, elevou para de 5 a 15 anos a pena para tráfico de drogas (artigo 33). Seguindo a Constituição, dispôs que o traficante não tem direito a fiança, sursis, graça, indulto, anistia, liberdade provisória e a substituição de prisão por medidas restritivas de direitos (prestação de serviços à comunidade etc.) (artigo 44).

A Lei n.º 8.072/90 já havia equiparado o tráfico a crime hediondo e que o cumprimento da pena seria em regime fechado.

O Brasil passaria a ter mecanismos legais rígidos de combate. Todavia, logo viu-se que essas normas escondiam uma hipocrisia, aumentada, em certos casos, pelo próprio Judiciário. A mesma elite que gera instrumentos de combate cria mecanismos que nulificam a atuação do Estado-repressor.

O § 4.º do artigo 33 da Lei n.º 11.343/06 logo veio socorrer esses genocidas. Prevê redução dessa pena em até 2/3 para traficantes primários que não registrem antecedentes criminais e que não integrem organização criminosa. Um sujeito pode traficar 50 ou 100 quilos de cocaína sem fazer parte de organização. Com esses requisitos, quem traficar 100 quilos e for condenado a cinco anos terá sua pena reduzida para 1 ano e 8 meses.

O Supremo Tribunal Federal, logo em seguida, reconheceu a traficantes o direito a progressão de regime nas mesmas condições previstas para outros tipos de crimes. Cumprindo um sexto, o traficante ganhava a rua. Aí, foi editada a Lei n.º 11.464, de março de 2007, para ficar expresso o direito a progressão de regime após o cumprimento, na prisão, de 2/5 (primário) e de 3/5 (reincidente).

O simples fato de o traficante condenado a cinco anos (ou até mais) ter sua pena reduzida já lhe dá direito, desde o começo, a regime aberto, desde que a redução deixe a pena igual ou inferior a quatro anos.

O Código Penal permite que, em relação ao não traficante, o juiz substitua a pena de prisão igual ou inferior a quatro anos por restritivas de direitos. Exemplos: prestação de serviços à comunidade durante uma hora por dia, limitação de fim de semana etc. Há uns dois meses, o Supremo Tribunal Federal estendeu esse direito a traficantes, negado pela Lei n.º 11.343/06. Isto significa que, se houver aquela redução (de até 2/3) e a pena cair para quatro anos ou menos, o traficante, ao invés de ficar preso, poderá ter sua pena substituída por duas condições: a) prestar serviços numa escola pública ou noutro lugar, de acordo com sua aptidão, durante uma hora por dia; e, b) permanecer, durante cinco horas, aos sábados e domingos, numa repartição policial ou congênere (sem ficar preso).

Então, se a pena for igual ou inferior a quatro anos, por força da redução, o traficante, sendo primário etc., ou terá direito a regime aberto, desde o começo, ou a substituição da pena.

O policial que prendeu um traficante com 20 quilos de cocaína poderá ter a surpresa de encontrá-lo, pouco tempo depois, pagando sua pena mediante prestação de serviços na creche ou no colégio onde estuda seu filho.

Fica cada vez mais difícil combater a criminalidade. A sociedade virou detalhe.

Como em qualquer atividade comercial lícita, vigora a lei da oferta e da procura. O consumismo incentiva e aumenta a produção. Infelizmente, também quanto às drogas, a questão virou consumismo, o que se dá não só por culpa dos consumidores, mas, sobretudo, pela omissão globalizada de quem tem o dever de prevenir, reprimir, recuperar e reinserir na sociedade, no trabalho e na família.

Em 07 de dezembro último, proferi palestra para representantes consulares dos países da União Européia, onde mais se cultiva o pensamento sobre descriminalização do uso de drogas. Defendi que, em se tratando o tráfico de entorpecente de um crime transnacional, a responsabilidade pelo combate deve ser compartilhada entre todos os países envolvidos nesse fenômeno: países produtores, países de trânsito e países de consumo ou de destino.

Confesso que não me senti muito à vontade ao reprimir essa tendência liberatória européia, porque a legislação brasileira também descriminalizou o uso a partir de 2006. Essa inconseqüente postura legislativa, aliada à leniência dos tribunais superiores do Brasil, gerou efeitos desastrosos. Para melhor compreensão, transcrevo o que diz a Lei n.º 11.343/2006, a que o Supremo Tribunal Federal vem dando interpretação cada dia mais branda.

Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:

I - advertência sobre os efeitos das drogas;
II - prestação de serviços à comunidade;
III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

§ 1o Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.

§ 2o Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.

§ 3o As penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 5 (cinco) meses.

§ 4o Em caso de reincidência, as penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 10 (dez) meses.

§ 5o A prestação de serviços à comunidade será cumprida em programas comunitários, entidades educacionais ou assistenciais, hospitais, estabelecimentos congêneres, públicos ou privados sem fins lucrativos, que se ocupem, preferencialmente, da prevenção do consumo ou da recuperação de usuários e dependentes de drogas.

§ 6o Para garantia do cumprimento das medidas educativas a que se refere o caput, nos incisos I, II e III, a que injustificadamente se recuse o agente, poderá o juiz submetê-lo, sucessivamente a:

I - admoestação verbal;
II - multa.

§ 7o O juiz determinará ao Poder Público que coloque à disposição do infrator, gratuitamente, estabelecimento de saúde, preferencialmente ambulatorial, para tratamento especializado.

Na prática, não mais existe pena para usuário, mas unicamente advertência e medidas educativas.

O primeiro pecado da lei é confundir usuário eventual com dependente ou viciado. Um e outro são embrulhados no mesmo pacote. Essas medidas educativas, se efetivamente funcionassem no Brasil, seriam adequadas para o viciado. Este, sim, por não ter autodeterminação, tem que ser tratado como doente. A situação deles nada tem a ver com polícia, mas, sim, com o setor de saúde. O mero usuário (não dependente) não é doente. É um cúmplice dos traficantes, que injeta dinheiro no tráfico. Não precisa de tratamento. Precisa de punição. As medidas educativas mostradas são muito brandas para essa gente. É o consumidor não dependente que, de modo consciente, mantém as atividades de produção. O viciado também o faz, mas dominado pela força invencível da dependência. Portanto, aquele merece tratamento policial, e este (viciado) necessita de efetiva atenção dos setores de saúde.

Deixando de lado o pecado mortal da liberação, o segundo defeito da lei, neste pertinente, é não estabelecer pelo menos a quantidade máxima, por cada tipo de drogas, para se determinar a destinação para consumo pessoal. A regra é muito subjetiva. Há decisão recente de tribunal brasileiro absolvendo, por uso, um portador de mais de três quilos de cocaína. E o pior é que, submetido a exame toxicológico, não restou provada a dependência.

Voltarei para mostrar as conseqüências da frouxidão da legislação, da permissividade do Judiciário e da omissão do Executivo na área da prevenção, tratamento e reinserção.

Todo efeito se origina de uma causa. O domínio dos morros do Rio de Janeiro pela traficância resulta da omissão prolongada do Estado brasileiro não só naquela Unidade da Federação, mas também nas extensas fronteiras com países produtores de drogas. A física quântica sentencia que a desocupação de um espaço cede lugar a imediata ocupação por outro corpo. Os agentes dessa segunda ocupação logo criam situações fáticas geradoras de efeitos. No mundo das drogas, a lei é a mesma.

Em 2006, quando a Lei n.º 11.343 deixou de penalizar o uso, misturando mero consumidor com viciado, o Brasil tinha 45.000 presos por drogas e uma população de 188 milhões. Em 2010, apenas quatro anos depois, passou a ter 105.500 presos por entorpecente. A população cresceu apenas 2% e a quantidade de presos aumentou 134%. Naquele ano, eram 4.182 habitantes por cada preso. Em 2010, essa proporção passou de um preso para apenas 1.815 pessoas.

Se houve prisões, existiram crimes de tráfico, e em quantidade bem maior porque nem todos os que traficaram foram descobertos ou presos. A estimativa é que apenas 20% do fluxo de drogas são apreendidos. Portanto, a verdadeira realidade é bem mais assustadora. No cenário das drogas, a única certeza matemática é com relação à quantidade que é apreendida. Em relação à produção e ao consumo, existem meras estimativas. No primeiro caso, pode haver erro para mais ou para menos. Em se tratando de estimativa sobre consumo, o erro é sempre para menos, pois nem todos os usuários consultados confessam-se consumidores. Então, a quantidade de usuários, dependentes ou não, em qualquer país, é bem maior do que o resultado das pesquisas.

Posso afirmar, com segurança absoluta, que o Brasil, em 2010, apreendeu 22.921 quilos de cocaína, e que, de 01.01.2000 a 31.12.2010, as apreensões somaram 160.484 quilos. Isto mesmo: 160 toneladas de cocaína. Em termos de apreensão, ocupa o 10º lugar no mundo. Todavia, é o décimo consumidor. Não posso, entretanto, garantir que o Brasil possui apenas 1.000.000 de consumidores de cocaína, segundo estimativas oficiais. A lógica que assentei no parágrafo anterior indica que essa cifra é a quantidade mínima de usuários.

Trocando em miúdos, o tráfico e o consumo aumentam assustadoramente, no mundo inteiro, por causa da hipocrisia dos países. No Brasil, a situação é alarmante. Isto se deve sobretudo à fragilidade das leis, a uma apagada cooperação em relação aos vizinhos produtores, à descriminalização do uso, à progressão de regime e à calamidade do sistema prisional, que não recupera ninguém. Todavia, no fundo, tudo se deve à falta de política de prevenção, recuperação e reinserção na sociedade.

Permitida a reprodução, desde que citada a fonte. Favor divulgar este blog.

* Odilon de Oliveira

* juiz federal (jfodilon@trf3.jus.br)

sexta-feira, 9 de setembro de 2016

Legislatura, sessão legislativa e período legislativo

A legislatura é cada período de 4 anos de funcionamento do Congresso Nacional, iniciado com a posse dos novos parlamentares eleitos a cada eleição. As sessões preparatórias para conferir inclusive a posse dos novos membros eleitos ocorrerá no primeiro ano da legislatura, a partir do dia 1º de fevereiro.

A legislatura divide-se em períodos anuais chamados de sessão legislativa. Cada sessão legislativa corresponde a 1 ano, tendo início em 2 de fevereiro e recesso a partir de 17 de julho, retorno em 1 de agosto e encerramento em 22 de dezembro.

Os períodos semestrais de cada sessão legislativa são chamados períodos legislativos.

Sendo assim, dois períodos semestrais (fevereiro a julho + agosto a dezembro) fazem uma sessão legislativa. Quatro sessões legislativas compõem uma legislatura.


Imunidades do Presidente da República

Prerrogativas associadas ao cargo máximo do Poder Executivo (notas de aula LFG com a professora Nathália Masson)


  • Prisão (art. 86, §3º, da CF)

- O Presidente só poderá ser preso em virtude de sentença penal condenatória prolatada pelo STF (art. 102, I, b), em razão da prática de crime comum.
- Em conclusão, o Presidente da República não pode ser preso em flagrante, preventivamente, temporariamente, ou em razão do cometimento de um crime de responsabilidade.


  • Cláusula de irresponsabilidade penal temporária (art. 86, §4º, da CF)

- Se o crime comum praticado pelo Presidente na vigência de seu mandato for relacionado à função (praticado na função ou em razão dela), a responsabilização poderá ocorrer durante a vigência do mandato presidencial (perante o STF).
- Por outro lado, se o crime praticado pelo Presidente na vigência de seu mandato for estranho à função, a responsabilização só será possível após o término do mandato.
- Depois que o mandato presidencial se encerrar, o processo e o julgamento serão realizados perante a justiça comum, em razão do encerramento do foro especial por prerrogativa de função (foro privilegiado). - súmula 394 do STF cancelada -


  • Autorização (art. 51, I, da CF e art. 86, caput, da CF)
- O Presidente da República só será processado por crime comum no STF ou de responsabilidade no Senado Federal se antes a Câmara dos Deputados autorizar por 2/3 de seus membros.
- Na CD temos 513 deputados federais. 2/3 = 342.
- Esse juízo de admissibilidade da acusação feito pela CD é político e não jurídico.
- De acordo com o STF, o Presidente da Câmara tem competência para verificar as formalidades extrínsecas da acusação, bem como competência para rejeitar imediatamente eventual acusação inepta ou despida de justa causa. 
- O STF decidiu, na ADPF 378 (dezembro/2015) que o Presidente da República não dispõe do direito à defesa prévia antes do recebimento da denúncia pelo Presidente da Câmara dos Deputados. Isso porque existirão inúmeras outras oportunidades de manifestação defensiva para o presidente durante esta fase na Câmara dos Deputados (Exemplo: Tão logo haja o recebimento da denúncia pelo Presidente da Câmara, o Presidente da República é notificado para, se desejar, se manifestar no prazo de 10 sessões).
Obs. Nota-se que já existe direito de defesa nesta fase pré-processual.
- Se a CD autorizar o processamento do Presidente, tal autorização, nos termos do que decidiu o STF na ADPF 378, não vinculará nem o STF nem o Senado Federal, que não estarão obrigados a instaurar o processo contra o Presidente. O Supremo fará um novo juízo de admissibilidade, verificando se é caso ou não de instaurar a ação penal; o Senado também fará um novo juízo, se decidindo, por maioria simples, se recebe ou não a acusação formulada contra o Presidente.


quinta-feira, 25 de agosto de 2016

A execução de sentença estrangeira no Brasil - Algumas considerações sobre a LINDB

A Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro, comumente conhecida entre os juristas como LINDB, traz os seguintes requisitos para que haja o exequatur, a execução de sentença estrangeira pelo Judiciário brasileiro:

  • ter a sentença transitado em julgado tendo cumprido as formalidades necessárias que a tornem apta a ser executada no lugar onde foi proferida (art. 15, alínea c traz esse requisito, que poderia resumir as 2 primeiras alíneas, que são: juiz competente e partes citadas ou revelia);
  • estar a sentença traduzida por intérprete autorizado
  • estar a sentença homologada pelo Superior Tribunal de Justiça.


sábado, 6 de agosto de 2016

Ausência no Direito Civil

O código civil determina - art. 22, 23 e 26 combinados - que, juridicamente, a ausência deve ser declarada por juiz, a requerimento de qualquer interessado ou do Ministério Público, a respeito da pessoa que desaparece de seu domicílio e não há dela notícia, quando verificada uma das seguintes situações:

  • não deixou ela representante ou procurador para administrar-lhe os bens;
  • seu mandatário não possa ou não queira exercer o munus que a ele foi confiado - art. 23;
  • passaram-se 3 anos nos quais estavam os bens sendo administrados por representante ou procurador deixado pela pessoa desaparecida - art. 26.
Com a declaração de ausência proferida pelo juiz será instalada a curadoria provisória. O juiz promoverá a arrecadação dos bens e nomeará curador, fixando poderes e obrigações, dando preferência ao cônjuge, aos pais e em seguida aos descendentes do ausente, nos termos do art. 25.

A sucessão provisória será aberta após 1 ano da arrecadação dos bens do ausente ou, se ele deixou representante ou procurador, após 3 anos ausente nos quais tais vens tenham estado sob a administração do mandatário. Estas duas possibilidades estão insculpidas no art. 26, e o juiz determinará a abertura da sucessão provisória ao decidir sobre o requerimento feito por algum dos interessados que constam no art. 27: cônjuge não separado judicialmente, herdeiros, os credores de obrigações vencidas e não pagas, enfim, os que têm direito sobre os bens do ausente que serão afetados por sua morte - essa hipótese engloba todas as demais.


terça-feira, 2 de agosto de 2016

Competência para processar e julgar

A competência no direito processual é a quantidade de jurisdição que tem o juiz, delimitada por lei. O juiz investido no poder jurisdicional não detém esse poder para dirimir toda e qualquer lide, mas tem a sua capacidade de produzir jurisdição limitada pelo ordenamento jurídico, de modo que a ele caberá apenas uma quantidade da jurisdição total do Estado.

As regras de competência determinam quem julga o quê. O juiz natural para todos os litígios está pois pré-determinado por critérios legais, que devem ser observados de forma ordenada. Examina-se o fato concreto levado a juízo à luz desses critérios, encontrando-se no final o juiz naturalmente competente para processar e julgar o litígio.

1 - JURISDIÇÃO ESTRANGEIRA, ARBITRAL OU NACIONAL (ESTATAL)

Há casos excepcionais nos quais é permitido às partes convencionar cláusula de eleição de foro estrangeiro em contrato internacional (art. 25, CPC) ou instituir juízo arbitral (art. 42, CPC), ou situações sobre as quais tratados internacionais ou acordos bilaterais estabeleçam competência de tribunal estrangeiro (art. 24, CPC).

Ressalvadas situações de excepcionalidade como as mencionadas acima, o Estado, uma vez provocado, instaurará o processo e exercerá a Jurisdição, que é a função destinada à solução de conflitos intersubjetivos mediante a aplicação do Direito Nacional ao caso concreto, de modo definitivo, imperativo e imparcial, substituindo-se à vontade das partes.

2 - Sendo caso de Jurisdição Interna, importa conferir primeiro se, por critérios de competência em razão das pessoas envolvidas no litígio ou em razão da matéria litigiosa, a lide será levada aos tribunais de superposição, a saber, STF ou STJ, respectivamente nos casos dos arts. 102 e 105 da Constituição Federal.

3 - Não estando elencado nos casos dos artigos acima, dever-se-á analisar ainda a pessoa e a matéria da lide, buscando estabelecer a justiça competente dentre as seguintes: federal (art. 109, CF), trabalhista (art. 114, CF), eleitoral (art. 121, CF e Código Eleitoral - Lei 4737: arts. 22, 23, 29, 30, 35, 40 e 41), militar (art. 124, CF), estadual (competência residual), e militar estadual (art. 125, §§3º, 4º e 5º, CF).

A competência residual da Justiça Estadual implica em que, não se encaixando o fato em nenhuma das outras justiças, a competência será dos juízes de direito dos estados-membros. 

4 - Deve-se encontrar o órgão competente dentro de toda a estrutura judiciária delimitada pelo critério anterior. Aqui os critérios de matéria, pessoa e funcional serão examinados. Questionamentos a serem feitos:

Existe lei especial sobre o caso? A lei de organização judiciária aponta um órgão competente para a questão?

Neste ponto da investigação deve ser identificado, por exemplo, se um órgão superior dentro da estrutura judiciária terá competência originária, ou se o órgão inferior é que deve processar e julgar, nos casos ordinários.

5 - Neste ponto será fixada a competência do foro, do território onde será ajuizada a demanda. Aqui é caso de critério territorial, e a competência é relativa. Isso quer dizer que as partes podem optar por foro diverso do que a lei aponta como o competente, e se assim fizerem, o juiz não poderá de ofício declarar-se incompetente. (nesse sentido está a súmula 33 do STJ)

Cláusula de eleição de foro pode determinar foro diverso do estipulado na lei, assim como terá o autor a liberdade para ajuizar a demanda em foro de sua escolha. Entretanto, poderá o réu se opor nos casos em que o autor desobedeça mandamento de lei ou de convenção de foro. Pelo art. 63, §4º c/c o art. 340, ambos do CPC, o juiz poderá também reputar como ineficaz a cláusula de eleição de foro que considere abusiva.

6 - Dentro do território (comarca), deve-se examinar se há vara única com competência plena. Se houver, entretanto, diversas varas igualmente competentes, proceder-se-á à distribuição. Pode haver, também, uma vara especializada para aquele tipo de litígio naquela comarca. Sobre a verificação da competência do juízo, cabem as seguintes notas:

A competência do juízo só é determinada dentro dos limites territoriais do foro no qual se ajuizará a demanda. Escolhido o foro, observar-se-á uma das situações seguintes:

a) existência de uma vara com competência plena;
b) existência de mais de uma vara com competência plena. Será fixada a competência para aquela demanda com a distribuição;
c) existência de vara especializada.

Pela súmula 206 do STJ, a criação de vara especializada dentro do foro, ou seja, no mesmo lugar da competência territorial já fixada, puxará os processos das varas comuns para si. Pouco importa a criação de uma vara especializada em outro foro. A competência do juízo só é importante se for dentro do mesmo foro. Criação de vara especializada não desloca competência para foro diferente.

sexta-feira, 29 de julho de 2016

Eficácia da Lei Penal no Tempo

Pelo artigo 4º do Código Penal, o tempo em que o crime ocorre é o momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado. A atividade delituosa do agente é o que interessa para determinar o momento temporal do delito. Todos os elementos do crime (fato típico, ilicitude e culpabilidade) devem estar presentes no momento da conduta. Sabendo-se quando o crime foi praticado, alguma considerações importantes devem ser observadas para determinar a lei eficaz para produzir efeitos penais.

O princípio da legalidade no Direito Penal determina que há fato criminoso porque existe uma lei incriminadora vigente no tempo da ação ou omissão. A lei penal que produz efeitos incriminando condutas deve ser, portanto, anterior ao delito. Esta é a regra da atividade da lei penal.

Sobre o mesmo fato criminoso pode ocorrer a sucessão de leis penais aplicáveis. Entre a data do fato praticado e o término do cumprimento da pena, passando pelo julgamento e pela execução, várias leis podem se suceder na produção de efeitos sobre a jurisdição penal acerca daquele crime.

Ademais, a lei penal pode ter sua atividade manifestada de forma extraordinária: é o fenômeno da extra-atividade. Nesses casos, a lei atinge condutas que não aconteceram no mesmo período em que a lei estava vigente. Isto pode se dar de forma retroativa ou ultra-ativa.

Na retroatividade da lei penal vemos fatos praticados antes da vigência da lei serem alcançados por uma lei que vige depois. Esta lei produz efeitos, em relação a este fato, de forma retroativa.

Na ultra-atividade, vemos uma lei já revogada ainda produzindo efeitos sobre determinado fato criminoso.

Quando a retroatividade ocorre? O art. 5º, XL da Constituição Federal assim estabelece: "a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu". A lei posterior, portanto, só terá efeito extra-ativo retroagindo para condutas praticadas antes de sua vigência, quando beneficiar o réu, seja porque suprime a figura criminosa, seja por favorecer o réu no quantum da pena ou por qualquer outro motivo. Nos casos em que a lei posterior prejudica o réu, não haverá retroatividade.

A retroatividade ocorre inclusive quando já exista sentença condenatória transitada em julgado, por expressa disposição do art. 2º, parágrafo único do CP.

Quanto à ultra-atividade, o mesmo se observa. Lei posterior que prejudica o réu não pode ser aplicada; portanto a lei vigente durante a prática do fato, mesmo revogada, persiste sendo aplicada por se mostrar mais branda.


quarta-feira, 27 de julho de 2016

O Lugar do Crime e a Eficácia da Lei Penal Brasileira

Às vezes determinados delitos atingem os interesses de dois ou mais Estados soberanos. Quais os limites de aplicação das normas penais de vários Estados Nacionais? Aqui estou perguntando como identificar em casos concretos qual o sistema jurídico-penal que será aplicado. Como o Direito Penal brasileiro estabelece os limites de aplicação de suas normas penais? Este tema é comumente chamado pela doutrina brasileira de Lei Penal no Espaço.

A regra básica para a determinação de qual será o ordenamento jurídico eficaz é a da territorialidade, insculpida no art. 5º do Código Penal: "Aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido no território nacional." Esta regra ou princípio (alguns chamam de princípio da territorialidade) não é absoluta (mas temperada), como se depreende do texto do artigo. 

Um exemplo clássico de exceção é a imunidade concedida ao espaço onde estão instaladas as missões diplomáticas; os fatos criminosos praticados neste espaço estarão livres da punição do direito do país no qual está a missão, sofrendo a reprimenda penal do país estrangeiro o qual tal missão represente. Note que aqui se trata de crime cometido em solo brasileiro (e não estrangeiro!), mas a eficácia da lei penal brasileira estará afastada pela imunidade diplomática, para que o crime seja julgado apenas pela jurisdição estrangeira. Este é o fenômeno da intraterritorialidade, quando a lei penal estrangeira é aplicada no Brasil.

Mas descartadas as situações excepcionais, todos os crimes e contravenções praticados em território brasileiro serão submetidos à jurisdição penal brasileira. É fundamental, portanto, saber com precisão qual o espaço territorial brasileiro, e assim conseguir determinar quando o ordenamento jurídico de nosso país será aplicado.

O território brasileiro é a extensão de terra dentro de suas fronteiras geográficas, bem como o espaço aéreo acima e o subsolo abaixo dela. Todos os corpos d'água entre as fronteiras também são território. Também é território brasileiro a faixa de mar exterior ao longo da costa do país denominada mar territorial (art. 1º da Lei 8.617/93), que corresponde a 12 milhas marítimas de largura (algo como 22.224 metros), medidas a partir da linha de baixa-mar do litoral continental e insular. Por conseguinte, o espaço aéreo correspondente a essa faixa de mar também constitui território brasileiro.

Para além do território brasileiro, existem situações em que, por ficção e para efeitos penais, se considerará determinados espaços como território brasileiro por extensão. É o caso das aeronaves e embarcações brasileiras localizadas fora do território nacional, mas que têm natureza pública ou estão a serviço do governo brasileiro. Estas, mesmo localizadas em território estrangeiro, serão consideradas extensões do território brasileiro para fins de tornar eficaz a jurisdição penal brasileira para os delitos cometidos em seu interior.

Serão também, por equiparação, espaço brasileiro (juridicamente considerado) as embarcações e aeronaves privadas que se achem em alto-mar ou  no espaço aéreo correspondente. Caso se encontrem em território estrangeiro, perdem esse caráter fictício de território brasileiro e os crimes praticados em seu interior serão julgados pelo país no qual estejam. Assim também acontecerá com as embarcações e aeronaves brasileiras dentro de nosso território: aplicar-se-á a lei brasileira caso estejam em mar territorial ou atracadas, ou em espaço aéreo brasileiro. (Obs.: Nestes casos poderá haver ainda o afastamento da eficácia da norma penal brasileira se reconhecido o direito de passagem inocente, quando a passagem pelo território é contínua e rápida, sem pouso ou atracação, e o crime não ofende interesses brasileiros.)

Há também situações nas quais será aplicada a lei penal brasileira fora dos limites territoriais. É o fenômeno da extraterritorialidade da lei penal, que acontecerá nos casos do art. 7º do CP, que diz que ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro, os crimes:
  1. a) contra a vida ou a liberdade do Presidente da República; b) contra o patrimônio ou a fé pública da União, do Distrito Federal, de estado, de Território, de Município, de empresa pública, de sociedade de economia mista, autarquia ou de fundação instituída pelo Poder Público; c) contra a administração pública por quem está a seu serviço; d) de genocídio, quando praticado por brasileiro ou pessoa domiciliada no Brasil.
  2. a) que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir; b) praticados por brasileiro; c) praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, quando em território estrangeiro e nele não sejam julgados.
  3. cometidos por estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil.
MAS, ATENÇÃO! Apenas os casos do ponto 1 são de aplicação incondicionada da lei penal brasileira. 

Os casos do ponto 2 precisam das seguintes condições para que a jurisdição penal brasileira os alcance:

  • entrar o agente no território nacional, para que se inicie a ação penal;
  • ser o fato punível também no país em que foi praticado;
  • estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição [1];
  • não ter sido o agente absolvido no estrangeiro, não ter aí cumprido a pena, não ter sido perdoado ou, por qualquer outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei favorável.
Observe que, destas condições, apenas a primeira impede o processo; as demais, não. As demais condições serão causa de improcedência da ação penal, por afastarem a punibilidade.

O ponto 3 acima, que traz a aplicação da lei brasileira para crime cometido por estrangeiro contra um nacional fora do território brasileiro, depende da presença de todas as condições apontadas aqui para o ponto 2, e mais o seguinte: que não seja pedida a extradição do estrangeiro, ou tenha sido tal pedido negado, e; que haja requisição do Ministro da Justiça.

Tais são as situações nas quais haverá a extraterritorialidade da lei penal brasileira. Cabe ainda afirmar aqui que pode um agente ser condenado pela jurisdição brasileira e estrangeira, pelo mesmo crime. Isto acontecerá nos casos de extraterritorialidade do ponto 1 acima, pois a condenação pela jurisdição estrangeira não afastará a punibilidade no Brasil. Havendo duas condenações, considerar-se-á o artigo 8º do CP: "A pena cumprida no estrangeiro atenua a pena imposta no Brasil pelo mesmo crime, quando diversas, ou nela é computada, quando idênticas."



[1] O Estatuto do Estrangeiro, Lei nº 6.815/80, estabelece casos onde não ocorrerá extradição:
Art. 77. Não se concederá a extradição quando:
        I - se tratar de brasileiro, salvo se a aquisição dessa nacionalidade verificar-se após o fato que motivar o pedido;
        II - o fato que motivar o pedido não for considerado crime no Brasil ou no Estado requerente;
        III - o Brasil for competente, segundo suas leis, para julgar o crime imputado ao extraditando;
        IV - a lei brasileira impuser ao crime a pena de prisão igual ou inferior a 1 (um) ano;
        V - o extraditando estiver a responder a processo ou já houver sido condenado ou absolvido no Brasil pelo mesmo fato em que se fundar o pedido;
        VI - estiver extinta a punibilidade pela prescrição segundo a lei brasileira ou a do Estado requerente;
        VII - o fato constituir crime político; e
        VIII - o extraditando houver de responder, no Estado requerente, perante Tribunal ou Juízo de exceção.
        § 1° A exceção do item VII não impedirá a extradição quando o fato constituir, principalmente, infração da lei penal comum, ou quando o crime comum, conexo ao delito político, constituir o fato principal.
        § 2º Caberá, exclusivamente, ao Supremo Tribunal Federal, a apreciação do caráter da infração.
        § 3° O Supremo Tribunal Federal poderá deixar de considerar crimes políticos os atentados contra Chefes de Estado ou quaisquer autoridades, bem assim os atos de anarquismo, terrorismo, sabotagem, seqüestro de pessoa, ou que importem propaganda de guerra ou de processos violentos para subverter a ordem política ou social.