sexta-feira, 29 de julho de 2016

Eficácia da Lei Penal no Tempo

Pelo artigo 4º do Código Penal, o tempo em que o crime ocorre é o momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado. A atividade delituosa do agente é o que interessa para determinar o momento temporal do delito. Todos os elementos do crime (fato típico, ilicitude e culpabilidade) devem estar presentes no momento da conduta. Sabendo-se quando o crime foi praticado, alguma considerações importantes devem ser observadas para determinar a lei eficaz para produzir efeitos penais.

O princípio da legalidade no Direito Penal determina que há fato criminoso porque existe uma lei incriminadora vigente no tempo da ação ou omissão. A lei penal que produz efeitos incriminando condutas deve ser, portanto, anterior ao delito. Esta é a regra da atividade da lei penal.

Sobre o mesmo fato criminoso pode ocorrer a sucessão de leis penais aplicáveis. Entre a data do fato praticado e o término do cumprimento da pena, passando pelo julgamento e pela execução, várias leis podem se suceder na produção de efeitos sobre a jurisdição penal acerca daquele crime.

Ademais, a lei penal pode ter sua atividade manifestada de forma extraordinária: é o fenômeno da extra-atividade. Nesses casos, a lei atinge condutas que não aconteceram no mesmo período em que a lei estava vigente. Isto pode se dar de forma retroativa ou ultra-ativa.

Na retroatividade da lei penal vemos fatos praticados antes da vigência da lei serem alcançados por uma lei que vige depois. Esta lei produz efeitos, em relação a este fato, de forma retroativa.

Na ultra-atividade, vemos uma lei já revogada ainda produzindo efeitos sobre determinado fato criminoso.

Quando a retroatividade ocorre? O art. 5º, XL da Constituição Federal assim estabelece: "a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu". A lei posterior, portanto, só terá efeito extra-ativo retroagindo para condutas praticadas antes de sua vigência, quando beneficiar o réu, seja porque suprime a figura criminosa, seja por favorecer o réu no quantum da pena ou por qualquer outro motivo. Nos casos em que a lei posterior prejudica o réu, não haverá retroatividade.

A retroatividade ocorre inclusive quando já exista sentença condenatória transitada em julgado, por expressa disposição do art. 2º, parágrafo único do CP.

Quanto à ultra-atividade, o mesmo se observa. Lei posterior que prejudica o réu não pode ser aplicada; portanto a lei vigente durante a prática do fato, mesmo revogada, persiste sendo aplicada por se mostrar mais branda.


quarta-feira, 27 de julho de 2016

O Lugar do Crime e a Eficácia da Lei Penal Brasileira

Às vezes determinados delitos atingem os interesses de dois ou mais Estados soberanos. Quais os limites de aplicação das normas penais de vários Estados Nacionais? Aqui estou perguntando como identificar em casos concretos qual o sistema jurídico-penal que será aplicado. Como o Direito Penal brasileiro estabelece os limites de aplicação de suas normas penais? Este tema é comumente chamado pela doutrina brasileira de Lei Penal no Espaço.

A regra básica para a determinação de qual será o ordenamento jurídico eficaz é a da territorialidade, insculpida no art. 5º do Código Penal: "Aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido no território nacional." Esta regra ou princípio (alguns chamam de princípio da territorialidade) não é absoluta (mas temperada), como se depreende do texto do artigo. 

Um exemplo clássico de exceção é a imunidade concedida ao espaço onde estão instaladas as missões diplomáticas; os fatos criminosos praticados neste espaço estarão livres da punição do direito do país no qual está a missão, sofrendo a reprimenda penal do país estrangeiro o qual tal missão represente. Note que aqui se trata de crime cometido em solo brasileiro (e não estrangeiro!), mas a eficácia da lei penal brasileira estará afastada pela imunidade diplomática, para que o crime seja julgado apenas pela jurisdição estrangeira. Este é o fenômeno da intraterritorialidade, quando a lei penal estrangeira é aplicada no Brasil.

Mas descartadas as situações excepcionais, todos os crimes e contravenções praticados em território brasileiro serão submetidos à jurisdição penal brasileira. É fundamental, portanto, saber com precisão qual o espaço territorial brasileiro, e assim conseguir determinar quando o ordenamento jurídico de nosso país será aplicado.

O território brasileiro é a extensão de terra dentro de suas fronteiras geográficas, bem como o espaço aéreo acima e o subsolo abaixo dela. Todos os corpos d'água entre as fronteiras também são território. Também é território brasileiro a faixa de mar exterior ao longo da costa do país denominada mar territorial (art. 1º da Lei 8.617/93), que corresponde a 12 milhas marítimas de largura (algo como 22.224 metros), medidas a partir da linha de baixa-mar do litoral continental e insular. Por conseguinte, o espaço aéreo correspondente a essa faixa de mar também constitui território brasileiro.

Para além do território brasileiro, existem situações em que, por ficção e para efeitos penais, se considerará determinados espaços como território brasileiro por extensão. É o caso das aeronaves e embarcações brasileiras localizadas fora do território nacional, mas que têm natureza pública ou estão a serviço do governo brasileiro. Estas, mesmo localizadas em território estrangeiro, serão consideradas extensões do território brasileiro para fins de tornar eficaz a jurisdição penal brasileira para os delitos cometidos em seu interior.

Serão também, por equiparação, espaço brasileiro (juridicamente considerado) as embarcações e aeronaves privadas que se achem em alto-mar ou  no espaço aéreo correspondente. Caso se encontrem em território estrangeiro, perdem esse caráter fictício de território brasileiro e os crimes praticados em seu interior serão julgados pelo país no qual estejam. Assim também acontecerá com as embarcações e aeronaves brasileiras dentro de nosso território: aplicar-se-á a lei brasileira caso estejam em mar territorial ou atracadas, ou em espaço aéreo brasileiro. (Obs.: Nestes casos poderá haver ainda o afastamento da eficácia da norma penal brasileira se reconhecido o direito de passagem inocente, quando a passagem pelo território é contínua e rápida, sem pouso ou atracação, e o crime não ofende interesses brasileiros.)

Há também situações nas quais será aplicada a lei penal brasileira fora dos limites territoriais. É o fenômeno da extraterritorialidade da lei penal, que acontecerá nos casos do art. 7º do CP, que diz que ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro, os crimes:
  1. a) contra a vida ou a liberdade do Presidente da República; b) contra o patrimônio ou a fé pública da União, do Distrito Federal, de estado, de Território, de Município, de empresa pública, de sociedade de economia mista, autarquia ou de fundação instituída pelo Poder Público; c) contra a administração pública por quem está a seu serviço; d) de genocídio, quando praticado por brasileiro ou pessoa domiciliada no Brasil.
  2. a) que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir; b) praticados por brasileiro; c) praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, quando em território estrangeiro e nele não sejam julgados.
  3. cometidos por estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil.
MAS, ATENÇÃO! Apenas os casos do ponto 1 são de aplicação incondicionada da lei penal brasileira. 

Os casos do ponto 2 precisam das seguintes condições para que a jurisdição penal brasileira os alcance:

  • entrar o agente no território nacional, para que se inicie a ação penal;
  • ser o fato punível também no país em que foi praticado;
  • estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição [1];
  • não ter sido o agente absolvido no estrangeiro, não ter aí cumprido a pena, não ter sido perdoado ou, por qualquer outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei favorável.
Observe que, destas condições, apenas a primeira impede o processo; as demais, não. As demais condições serão causa de improcedência da ação penal, por afastarem a punibilidade.

O ponto 3 acima, que traz a aplicação da lei brasileira para crime cometido por estrangeiro contra um nacional fora do território brasileiro, depende da presença de todas as condições apontadas aqui para o ponto 2, e mais o seguinte: que não seja pedida a extradição do estrangeiro, ou tenha sido tal pedido negado, e; que haja requisição do Ministro da Justiça.

Tais são as situações nas quais haverá a extraterritorialidade da lei penal brasileira. Cabe ainda afirmar aqui que pode um agente ser condenado pela jurisdição brasileira e estrangeira, pelo mesmo crime. Isto acontecerá nos casos de extraterritorialidade do ponto 1 acima, pois a condenação pela jurisdição estrangeira não afastará a punibilidade no Brasil. Havendo duas condenações, considerar-se-á o artigo 8º do CP: "A pena cumprida no estrangeiro atenua a pena imposta no Brasil pelo mesmo crime, quando diversas, ou nela é computada, quando idênticas."



[1] O Estatuto do Estrangeiro, Lei nº 6.815/80, estabelece casos onde não ocorrerá extradição:
Art. 77. Não se concederá a extradição quando:
        I - se tratar de brasileiro, salvo se a aquisição dessa nacionalidade verificar-se após o fato que motivar o pedido;
        II - o fato que motivar o pedido não for considerado crime no Brasil ou no Estado requerente;
        III - o Brasil for competente, segundo suas leis, para julgar o crime imputado ao extraditando;
        IV - a lei brasileira impuser ao crime a pena de prisão igual ou inferior a 1 (um) ano;
        V - o extraditando estiver a responder a processo ou já houver sido condenado ou absolvido no Brasil pelo mesmo fato em que se fundar o pedido;
        VI - estiver extinta a punibilidade pela prescrição segundo a lei brasileira ou a do Estado requerente;
        VII - o fato constituir crime político; e
        VIII - o extraditando houver de responder, no Estado requerente, perante Tribunal ou Juízo de exceção.
        § 1° A exceção do item VII não impedirá a extradição quando o fato constituir, principalmente, infração da lei penal comum, ou quando o crime comum, conexo ao delito político, constituir o fato principal.
        § 2º Caberá, exclusivamente, ao Supremo Tribunal Federal, a apreciação do caráter da infração.
        § 3° O Supremo Tribunal Federal poderá deixar de considerar crimes políticos os atentados contra Chefes de Estado ou quaisquer autoridades, bem assim os atos de anarquismo, terrorismo, sabotagem, seqüestro de pessoa, ou que importem propaganda de guerra ou de processos violentos para subverter a ordem política ou social.